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01/07/20 - Eventos e atividades coletivas
Homenagem à Irmã Dahlia, por seus 90 anos

Irmã Dahlia Peixoto de Rezende Filha completa, neste 1º de julho de 2020, 90 anos de vida. À frente da Direção Administrativa do Colégio Carmo de Cataguases desde 1998, a aniversariante recebe, hoje, da comunidade educativa, esta singela homenagem. Reunimos, neste vídeo, imagens da Irmã Dahlia em eventos e atividades da escola, outras com suas companheiras de vida religiosa e mais alguns registros do seu arquivo pessoal. Sua história, como gestora do Carmo, começa na década de 1960. Irmã Dahlia dirigiu o Colégio, também, no período de 1966 a 1971. Parabéns, Irmã Dahlia! Que Nossa Senhora do Carmo continue te abençoando e iluminando seus passos!

Reproduzimos, a seguir, o relato de vida da própria Irmã Dahlia, em entrevista concedida em 2013 e publicada no volume 6 do livro "Memória e patrimônio cultural de Cataguases:

Referência: Irmã Dahlia Peixoto de Resende Filha. In: Memória e patrimônio cultural de Cataguases: relatos coletados em 2013 / Paulo Henrique Alonso (Coord.). – Cataguases / MG: ICC, 2014. Disponível em: http://sv2.fabricadofuturo.org.br/memoriaepatrimonio/admin/media/livros/pdf/cat_vol6_screen.pdf. Acesso em jun. 2020.

Tenho o privilégio de pertencer a duas cidades, não é? Miraí, Fazenda Santa Inês onde ocorreu meu nascimento e Cataguases que me tem como cidadã honorária o que me honra muito. Em Cataguases cheguei em 1946 com minhas irmãs Maria da Conceição e Leda, a fim de estudarmos como alunas internas do Colégio Nossa Senhora do Carmo, conforme a terminologia da época, nós fizemos o curso Ginasial e Normal, hoje seria Fundamental e Médio.

Nasci em primeiro de julho de 1930 numa casa cheia de gente na cidade de Miraí cantada por Ataulfo Alves como “a minha pequenina Miraí”. Meu pai era fazendeiro, tinha nove filhos, oito porque quando a esposa dele teve o último filho ela faleceu e essa criança foi assumida por uma tia, então eu nasci numa comunidade muito festiva, cheia de gente, sabe.

Ali naquela fazenda era uma felicidade para mim, eu vivia num mundo ecológico. Eu subia em cima de árvores, havia muita laranjeira, goiabeira, todas as frutas que você pode imaginar, era uma fazenda muito grande... e água também! Com cinco ou seis anos meu pai me levava num cavalo chamado Pampa, eu andava até em pelo, era muito corajosa e era muito interessante a minha infância.

Hoje vocês pensam: “Como é que era antigamente que não tinha televisão, não tinha computador?” Ora, na minha fazenda tinha baile. Tem uma Irmã aqui, o pai dela tinha, a gente falava uma banda, hoje nós falamos conjunto musical, né? Ele foi chamado para a minha casa uma vez pra tocar durante uma festa de aniversário e a bebida, sabe qual era a bebida? Licor. A minha família tinha muito licoreiro, bebia muito licor, não tinha esse negócio de beber e embriagar.

Eu tinha uma irmã mais velha que chamava Amélia do primeiro matrimônio do meu pai, a gente falava que era irmã porque a minha mãe era irmã da primeira esposa do meu pai, casou com uma cunhada. Eu tinha cabelo comprido, [...] meu irmão Artur, um dos mais velhos, de manhã ele gostava de trançar meu cabelo, sei que era uma vida festiva para nós.

Tinha festa junina, tinha fogueira, meu pai mandou construir no terreiro da casa uma casinha para nós três, que eram três meninas e a gente brincava de panelinha para fazer tudo, mas eu gostava de brincar de tudo, só não gostava de brinquedo, até com o rodo dos empregados que passavam em cima do café que punha no terreirão. Um dia peguei um, imediatamente meu pai mandou fazer um rodinho pra mim, fiquei deslumbrada! É claro que a gente devia dormir mais cedo, né? Minha irmã fazia teatro, lembro que eu e minha irmã interpretamos duas bonecas, fazia uma espécie de palco no terreiro, a gente tinha até isso, tinha muito trabalho também. Meu pai era um homem de muito trabalho, minha mãe também, só sei que a vida lá era uma vida muito interessante.

Meu pai era bem mais velho que a minha mãe, então ele passeava com a gente, tinha um amigo nosso que falava: “Lá vem o Adamastor com as menininhas dele”, sabe? Quando chegava da aula era ele... ele tinha mais experiência de pai e mãe do que a minha mãe. Ela perdeu os pais dela muito cedo e foi para a casa de irmãs, não foi muito bem acolhida não, mas ela tinha um tio que era político em Ubá, Carlos Peixoto, tem uma estação lá Peixoto Filho, eles queriam levar a minha mãe para estudar, essa irmã dela: “Não, ela vai ficar aqui mesmo”. Ela era uma mulher inteligente, mas o meu pai era pai e mãe e já tinha criado muitos filhos, não é? Ele era como se fosse um avô também é por isso que às vezes a gente cita mais ele.

Minha mãe ficava naquela agitação, coordenava a horta, fazia muito doce, tinha uma grande arte para a cozinha, nem sei aonde ela aprendeu porque na nossa casa eu não via a minha mãe na cozinha, não para fazer doce, porque tinham muitos funcionários. Uma vez uma irmã falou assim: “A dona Dahlia até uma abóbora que ela faz fica diferente!”, era muito habilidosa, mas aquele sentimento amoroso a gente sentia mais intensamente do meu pai.

Nossa vida tinha muita religião, muito momento de oração. Vou contar para vocês, a gente rezava em casa o terço, fazia Via Sacra, a gente botava almofadinhas para ajoelhar e às vezes a gente brincava, aí meus pais: “Isso não pode, está na hora de oração.” Tinha aquelas coroações na cidade de Miraí e tinha muito bicho, tinha pato, ganso, marreco e minha mãe separava aqueles patos bonitos para mandar tirar a pena para fazer a asa pra gente, então a gente coroava e o interessante é que tinha banda de música acompanhando as coroadeiras. Padre Ernesto... engraçado, o padre Ernesto falava uma coisa que hoje seria um absurdo: “A coroadeira de hoje deu tantos reais pra Igreja”, uma doação para a igreja e ele falava isso. Hoje não se faz essas coisas, não é bom isso não.

A gente tinha uns probleminhas de saúde, uma febre muito alta, eu e minha irmã Maria, que veio a ser freira, a minha mãe fez promessa que se a gente sarasse a gente ia fazer a primeira comunhão vestidas de Santa Terezinha. Vestir de Santa Terezinha pra ela era vestir o hábito, em vez de fazer aquela roupa bonita, eu e minha irmã fizemos a primeira comunhão vestidas de hábito carmelita. Mamãe mandou nós vestirmos, nós fomos encontrar mais tarde as irmãs vestidas de Santa Terezinha e que tinham devoção à santa porque ela era carmelita.

Lembro que meu pai tinha muita devoção com Nossa Senhora da Conceição cuja festa é no dia oito de dezembro. Esse dia era muito importante na família, fazia roupa nova, vinha um táxi buscar a gente para a missa de Nossa Senhora da Conceição, parece que era o dia mais importante, sabe? A gente celebrava também o Natal, não conseguia dormir com medo de o Papai Noel aparecer antes de eu dormir.

Bom, o primário eu comecei assim, porque nós morávamos na fazenda e não tinha... tinha estrada, mas não tinha nenhum ônibus. Nós começamos a ir, eram cinco quilômetros de distância, a pé, acho que eu matriculei no grupo Afonso Pereira, mas eu acho que meus pais... de repente a minha mãe escreveu uma carta para uma senhora que dava aula, dona Eneida que tinha uma escola particular, se ela podia dar aula pra nós, pelo menos [para] nós duas as mais velhas. Ela respondeu que estava cheia de alunos, mas que podia ser a irmã dela, a dona Marina, irmã da Judite Ferreira que é freira, aí a gente ia lá.

Passei um pouquinho no grupo escolar de Afonso Pereira, depois fui para uma escola particular, mas tudo longe. Tinha uma irmã que morava aqui, Amélia, nós duas resolvemos e matriculamos no Coronel Vieira, acho que já estava com quase dez anos, sei que estava na terceira série, entrava na escola com sete anos.

De repente meus pais precisaram mudar para o Paraná. Meu pai tinha umas terras lá, teve uns problemas e resolveu mudar. Estava fundando um colégio em frente a nossa casa. O diretor falou com o meu pai: “Leva as suas meninas pra lá”. Ele falou: “Não, mas elas não terminaram...”. “Não, mas a gente dá um jeito”. Nós fomos. Tinha primeira série ginasial, vou usar a terminologia daquela época, tinha francês e latim. Sei que em 1945 voltamos para Miraí e fomos matriculados aqui, nós três, 1946, aí que eu comecei a estudar.

Nós viemos internas. Só um irmão, Leônidas que quis estudar, estudou no colégio que tinha aqui, acho que era dos Peixoto que hoje é o Colégio Manoel Inácio, era particular que até o... era o Colégio Cataguases que até aquele cantor... Chico Buarque estudou aqui, o Leônidas e o Fernando, os que quiseram estudar. Eu tive um irmão que falava com o meu pai: “Quer gastar dinheiro comigo me põe na escola” e o outro meu pai pôs pra estudar em Muriaé e ele fugiu da escola. Pela primeira vez eu vi meu pai ficar bravo, tirou o cinto e deu umas nele. Fugiu mesmo, não quis saber onde ele estava não!

Artur que ele chamava, era o meu predileto, ganhava dinheiro para tomar remédio porque não tomava remédio não, detestava, né? Eu dava tudo a ele, sei que depois ele acabou indo para o Rio Grande do Sul, eles eram mais velhos, um casou, a outra casou, só ficaram os mais novos. Também eram rapazes... saíam pra trabalhar, o mais novo e o que quis estudar, o mais velho, estudaram no colégio que hoje é o Manoel Inácio. Naquele tempo eles trabalhavam muito, ajudavam muito.

O Colégio era internato, lembro que meu pai trouxe a gente. Idalina, Maria e eu éramos internas e comecei a gostar muito de estudar, tinha uma professora de Português, a irmã Edith que ela me estimulou muito, a matéria que mais gosto Português, História e Geografia também, eu tinha dificuldade em Matemática. Um dia estava viajando e brinquei com o motorista: “Ah, posso dizer que eu não fiz primário”. Tinha uma senhora, uma moça que ia trabalhar conosco: “Irmã, a senhora está falando que não fez o primário? A senhora parece que é muito culta. A senhora sabe escrever?” Ah, mas eu ri muito, mas era modo de dizer. Foi tão mal feito!

Outras matérias você pega fácil, História, Geografia, Ciências, você lê, você pega, mas na Matemática eu tive dificuldade. Lembro de um lance que a professora falou: “Aquele aluno que acabar primeiro ganha dez”. Era Matemática, eu fechei o caderno, não vou acabar primeiro! Mas em Português eu era feliz porque a irmã escrevia no meu caderno: Ótimo, Parabéns. Até escrevi um artigo para uma revista para o governador Newton Campos e ela me estimulando eu ia em frente, né?

Estudei o ensino médio e quando terminei, estava no terceiro ano eu e minha irmã decidimos entrar para a vida religiosa. Foi muito interessante porque elas estavam preparando a minha irmã mais velha. A minha irmã foi chamada, é um fato inédito na Congregação porque eu falei: “Eu também vou, uai, quê isso, eu vou!”.

Aqui a gente tinha um clima de misticismo então despertei para a religião, a querer ser missionária, a andar pelo mundo fazendo o bem, essas coisas de jovem. As irmãs falaram que podia vir, viemos as duas, mas nós tínhamos passado para o terceiro ano do ensino médio. Meu pai veio: “Ó, elas podem entrar, contanto que elas terminem os estudos”, o ensino médio que na época era o Normal. “Não tem problema não, elas terminam” e terminado, naquela época a gente ia para o noviciado, nós ficamos um ano lá em Mariana no noviciado.

Nós rezávamos muito, a gente levantava e ajoelhava, como é que chama aquele negócio? No criado mudo, tinha um lugar pra gente ajoelhar e rezava, descia para a missa todo dia, depois a gente ia para o café, antes do café rezava, depois do café tinha o horário do estudo, antes do almoço tinha uma visita à capela, a gente tinha uma vida de monja, naquele tempo era fácil você escolher.

As freiras se preparam no noviciado, naquele tempo era um ano, agora é mais. Depois a gente fica uns anos sem fazer os votos definitivos porque se quiser ir embora pode ir. Se eu quiser ir embora hoje eu posso ir, mas naquele tempo era seguro alguns votos e tem muita preleção, fica uma mestra por conta da gente, só que para os padres tem mais uma preparação de ordem cultural também que eles vão meninos para o seminário.

Você quer ser irmã? Primeiro tem o postulado, quer dizer, você está pedindo para ser irmã, veste uma roupa modesta e fica numa das nossas casas. Terminando o terceiro ano, vai para o noviciado, depois a gente é juniorista, aquela que não está muito pronta. Tem esses preparos, hoje é mais intenso, enfim, a irmã pode desistir a hora que ela quiser. A gente faz votos, mas não é aquela coisa, nem os padres. Tem que ter a liberdade da pessoa.

Para celebrar e para pregar, não é essa a missão das religiosas porque esse é um trabalho pertinente ao sacerdote, ele é preparado para isso. Muita gente pede isso, mas eu jamais gostaria de fazer essa tarefa, prefiro o trabalho social com educação, minha preferência é pela educação, minha opção preferencial é pela educação porque através da educação sou capaz de ajudar uma pessoa a sair lá de baixo e colocá-la aonde ela quiser, não é onde eu quiser. Eu amo educar!

Quando era aluna, nem pensava em ser irmã ainda, dava catecismo no Coronel Vieira, um dia, tinha uma diretora que chamava dona Sindonga, se perguntar você vai saber quem é. Não sei porquê, mas era Sindonga, estava dando a minha aula de uniforme de aluna e quando terminei, ela falou: “Eu assisti sua aula aqui de fora. Você parecia uma noviça dando aula”, no noviciado que é uma casa própria pra receber as irmãs, elas ficam um ano sem sair, não vão nem na família e nem recebe visita, não é? Uma vez ou outra, mas eu tinha uma vocação para a educação religiosa e educação em geral, é da minha natureza tanto que eu costumo brincar. Uma vez assisti a uma peça com esse título “As árvores morrem de pé”. Falo: “Gente, eu gostaria de morrer como as árvores, de pé e mexendo com educação, não precisa ser perto de menino não, mas é assim que eu gostaria de morrer: de pé e na educação”.

Aqui aprendemos muita coisa que a gente chama de religião e as irmãs davam aulas de polidez toda semana. As internas iam para um salão e tinha aula de polidez, o procedimento que devíamos ter na sociedade e a gente lia muito a vida de santo. Meu pai era um homem que ele foi no noviciado, quando ele saiu a mestre de noviça falou: “Hoje eu estive com um homem reto, um homem justo”. Ele era muito certo, falo do meu pai porque eu conversava muito com ele, a minha mãe estava sempre ocupada, era um homem justo e ele passava isso, responsabilidade, trabalho. O melhor mestre se chama exemplo, o nome dele é esse: exemplo!

Igual o Joaquim Barbosa, Ministro da Justiça, sou apaixonada por ele. Eu falei: “Meu Deus, apareceu um homem no Brasil que eu me apaixonei por ele que é o Ministro da Justiça do Supremo Tribunal Federal que está julgando o mensalão! Que coisa, que homem íntegro!” Se você falar: “Mas ele é temperamental”, pode ser, mas estou julgando o Joaquim Barbosa como Ministro da Justiça... estou julgando aquilo que ele propôs de fazer, é justiça. Então eu me encantei, encantei. Que coragem! Não pediu desculpa quando ele falou uma coisa verdadeira. Eu gosto muito de política também, viu? Eu descendo de uma família de políticos que são aqueles Peixoto de Ubá, sabe? Você pode procurar saber que...

Terminado o meu noviciado as irmãs me indicaram para trabalhar no nosso colégio Maria Márcia de Anchieta no Espírito Santo, muito longe pra nós, eu fui de ônibus, quando cheguei lá falei: “Nossa, vou morar num lugar que quando passava de carro ou de ônibus eu tinha uma pena das pessoas morar!” O mar lindo, um lugar pequeno, pouca gente, mas eles tinham o mar que era uma beleza, dormia escutando aquele barulhinho do mar. Trabalhei dois anos no Colégio Maria Márcia dando aula, mas não tinha muita experiência, sempre fui adquirindo experiência aprendendo. Eu saí, fiquei só dois anos. Todo lugar que vou eu gosto, quando saio, eu choro. Fico gostando, acho que é esse meu temperamento, de onde estou não quero sair não.

Depois fui transferida para o Colégio Nossa Senhora do Carmo de Viçosa, fiquei oito anos trabalhando como professora, com os jovens. Tenho uma vocação social porque se não fosse professora eu queria ser assistente social, fazia um trabalho com as meninas do colégio. Uma vez fomos num morro que nós tínhamos que dar um banho numa velhinha, se você quer fazer um bem, tem que ir... Lá fiquei oito anos, tomava conta do voleibol, eu gosto muito de esportes, né, e fazia serviço social, fazia reunião com JEC, Juventude Estudantil ou JUC, gostava disso, dessa coisa de igreja, de ética, sabe? Acho que é muito importante.

Em 1963, retornei ao Colégio Carmo de Cataguases para dar aulas e frequentar a Faculdade de Santa Marcelina de Muriaé onde fiz o curso de Letras. A gente dava aula, acabava as aulas sexta-feira pegava o carro e ia pra lá. Pegava aulas sexta-feira à noite, sábado o dia inteiro e voltava domingo de manhã e a minha vida estava voltada para o Magistério, não é? Durante o ano de 66 me pediram para dirigir o Colégio Carmo, para começar em 67, não tinha a experiência que deveria ter, mas fiquei seis anos, naquele tempo ficava seis anos, de 67 a 71.

O Colégio Carmo nasceu por desejo da comunidade de Cataguases. Em 1912, passou uma irmã por aqui e pediu os líderes, juntamente com o padre, o vigário que conversasse com a superiora e pedisse que instalasse um colégio aqui. Então o colégio sempre foi muito ligado com o crescimento, com os interesses da comunidade, viu? Toda a vida o nosso foi particular. Fiquei dirigindo o Colégio, tem gente que achou que eu era brava, não era brava não. A primeira coisa que fiz é que nossos colégios só admitiam meninas, fiz um ofício para o governo geral pedindo para admitir meninos, foi quando o colégio virou misto. Nesse tempo era Educação Singular, não tinha leis, esse foi o primeiro colégio da Congregação Carmelita, e tinha muitos colégios, aí já não tinha mais internato. Não tinha sentido ficar trabalhando só com meninas. Tenho essa facilidade de gostar de inovar, não é?

Tenho uma irmã freira que andava comigo na rua, falava: “Irmã Dahlia, esse pessoal que te acompanha...” Tem uma menina que é perturbada, a Solange, entrava aqui brigando, eu falava: “Solange, ô Solange”. “Irmã, me dá cinco reais”. “Solange, eu dou sim, vamos lá na minha casa”. Uma irmã que estava perto falou: “Hum, irmã Dahlia, a senhora tratou a Solange igual a uma princesa”. E se eu estivesse no lugar dela, como é que eu gostaria de ser tratada?

Trato as pessoas como gostaria de ser tratada. Falo com as minhas irmãs: “Se chegar uma pessoa aqui, não fala chegou um pobre, um preto, um velho, nada disso!”. Fala: “Chegou uma pessoa”. Menino que quer as coisas comigo, eu faço tudo que eles quiserem, a coisa que mais quero é promover as pessoas, mas quando fazem uma coisa maldosa, não sei ficar calada.

Respeito muito às crianças, sabe? Uma menina de quatro aninhos veio me procurar com a professora: “Ah, a irmã está ocupada”. No dia seguinte falei com a orientadora pedagógica: “Vamos na sala de uma criança comigo, Heloisa”. “Que foi irmã Dahlia, algum problema?” “Não, vamos lá”. Cheguei e falei: “Tem uma menininha aí que quer falar com a irmã Dahlia, né?” Ela queria falar que os desenhos no Curso Infantil estavam desbotados, muito feios: “Você quer falar que aquela vaquinha está feia, não é? Tem razão, os outros bichos estão feios também, mas não mandei trocar porque o pintor está ocupado, mas vou trocar”. Acho que tem que dar ao jovem e à

criança a oportunidade de questionar, ter espírito crítico. Sempre fui assim e falava com as irmãs: “Olha, o meu aluno ele pode me agredir, mas o que ele merece de atenção e de nota ele tem que ter!”

Uma pessoa falou comigo: “Ô, irmã, um menino entrou sem o uniforme”. Ela falou: “Ah, a irmã Dahlia não vai gostar”. Não é assim que fala. Se estiver errado você também não vai gostar, se estiver certo você vai gostar. Algumas pessoas não querem ganhar certa inimizade, então fala: a outra é que não quer. É igual em casa: “Seu pai não quer!”.

Mas você recebeu uma ordem. Aí você fala: “Isso é uma ordem da casa e tem que ser atendida”. Pode não ser certa, mas tem que cumprir, não é mesmo? Você pode falar: “Aqui, eu recebi essa ordem, se você... a vida é de diálogo, se vocês quiserem vamos lá dialogar com a diretora.” Tenha coragem de falar, o que você não está gostando dele? Tem que falar para ele mudar porque o professor tem obrigação de mudar.

Você vê, um aluno que você marca uma tarefa... aqui tem coisa nesse colégio, gente, que é uma pena todo mundo não ver. A semana da Cultura aqui... que é a semana do Carmo, eles mudaram pra semana... Mudou o nome esse ano. É uma coisa, será que é menino que está fazendo isso mesmo, gente? Agora, você sabe que tem gente que não quer, mas quem quer você vê desde pequenininho. Tem menino que você sabe que ele vai chegar...

Tenho mais uma coisa pra falar que fiz em Cataguases. Estava dando aula no Colégio Carmo quando fui visitar Sereno, onde tinha uma moça de lá que trabalhava conosco e um dia fui lá conversar com essa moça... Chegando lá vi uma porção de crianças, irmãozinhos dela e fiquei pensando: “Gente, essas crianças não vão estudar...” porque não tinha asfalto, não tinha ônibus, não tinha nada. Me deu uma coisa que eu falei: “Não pode!” Resolvi, não sei porquê... que eu queria instalar uma escola em Sereno.

Fiquei pensando e descobri que tinha uma escola chamada CENEC, Campanha Nacional de Educandários Gratuitos do Brasil, acho que o Galba era presidente nessa região. Eu falei: “Ah, isso tem que acontecer!” Fui à Belo Horizonte pedir o diretor da CENEC se podia abrir uma escola em Sereno. Ele falou comigo: “Irmã, a senhora vai se enterrar até aqui ó!”. Falei: “Eu vou assumir”. Fui a Sereno, juntei a elite de responsáveis, não é a elite financeira, não, os trabalhadores: “Vocês têm direito de escola para os seus filhos, então vocês vão me ajudar aqui.” Fundei aquele colégio em Sereno, pedi se podia dar o nome ao colégio de Guimarães Rosa, deixaram; o colégio funcionou até que o Estado assumiu, o que foi um bem. Fui a diretora, fui paraninfa da primeira turma. Olha, foi um trabalho gratuito, nunca ganhei nem uma flor, inteiramente gratuito, viu? Era um colégio que se alguém podia ajudar a caixa escolar, ajudava; depois o Estado abriu escola e encampou e foi muito bom. A coisa que mais me honra de tudo que fiz em Cataguases é fundar o Ginásio Guimarães Rosa em Sereno!

E o Polivalente foi o grande amor da minha vida... Eu fico com vergonha porque as pessoas... os primeiros anos não foram muito bons não, eu não tinha experiência como diretora. Achei que tinha que ser melhor, sabe, queria que os professores fossem um pouquinho diferente do que eles eram, mas isso era uma coisa que estava aqui.

Era costume da Congregação depois de seis anos a gente deixar o cargo, quando foi em 71, a prefeitura pediu se podia ocupar uma sala para falar sobre uma escola que ia ser instalada em Cataguases. Falei: “Pois não, pode vir” e tal. Veio o Galba e foram para o salão. Quando fizeram a exposição de como seria a escola, projeto MEC/USAIDE, Educação para o desenvolvimento, eu achei aquilo uma beleza, viu? Era um projeto americano. Escola modelo que tinha tecnologia. Estava acabando a função de diretora, falei: “Eu vou dar aula nessa escola”. Peguei minhas apostilas que eles deram e quando foram embora eu entreguei na Secretaria, à Irmã Donatila. Eu tinha dado aula no Manoel Inácio substituindo a Márcia Carrano uma vez, dava aula assim, né. “Donatila é um colégio maravilhoso, vou dar aula nessa escola” porque aqui eu só tinha trabalho de manhã. “Vou dar aula nesta escola, Donatila” e deixei a papelada com ela e subi. De tarde ela subiu e falou: “Irmã Dahlia, você não pode dar aula nessa escola”. “Por quê?” “Porque você já tem 40 anos”. Eu falei: “O que que eu posso ser nesta escola?” “Só diretora”. Então vou ser diretora!

Tinha que fazer um concurso complicado que entrava estatística, a bibliografia que deram tinha livro em alemão... fui procurar os livros que eles deram na bibliografia para fazer concurso do Polivalente, o livro que mais li foi de um autor, Luís Alves Lima e Silva, foi tudo que caiu, não é? Consegui a aprovação, tive que fazer um mês de reciclagem, depois outros meses de reciclagem e por sorte pude optar pelo colégio onde eu morava, porque acho que ninguém queria aqui porque é muito quente.

Sei que optei por esse colégio e foi um tempo de aprendizado para mim, se eu ensinei, aprendi muito na escola pública porque só estava acostumada com escola particular. Fiz o concurso em 1971, o Polivalente foi instalado em 72, entrei em março, recebi a chave dessa escola. Se você for no Polivalente tem tudo lá.

Me acharam brava, mas é porque... Em 71 terminou o meu tempo aqui e no último ano fiz o concurso, em março de 72 tomamos posse, mas nós não começamos as aulas porque o colégio não estava completo; as aulas começaram em agosto. Ficamos fazendo reuniões preparando para aquilo lá, né? Para mim foi muito difícil porque veio gente de todo lado, de todo tipo, eu estava acostumada com esse ensino clássico, aquela postura. Lembro que tinha uma colega que assentou no chão, eu pus a cadeira perto dela e falei: “Aqui, você pode assentar”. Tinha uma que veio grávida: “Ih, agora? a irmã...” Elas assustaram com uma irmã ser diretora, sei que depois ela casou, fui ao casamento: “Não, minha filha, é sua vida particular, é sua”.

Teve professor que veio da favela do Rio de Janeiro, mas eles tinham... eles fizeram uma reciclagem de seis meses, eles eram bons, mas sei lá. Teve um professor que uma vez foi preso, aí uma irmã aqui falou: “Gente, a irmã Dahlia, hein? porque os professores lá...” mas nunca mexi com a vida particular de ninguém, por eles terem bebido na cidade, sabe? Teve uma que veio de Ouro Preto, você sabe como é o ambiente de Ouro Preto, não é?

A Isa foi para Ouro Preto depois, porque tinha a Wilma, tinha muita gente boa, a Wilma era daqui. A Wilma, a Isa Helena, a Maria das Graças elas foram alunas aqui, mas tinha uns que eu achava que eles tinham que ser mais éticos, mais professores, sabe? Não sei, também naquela época... muito jovens.

Ah! outra coisa que fiz ainda. Eu era diretora do Polivalente no horário de serviço que é escola pública, né, e a minha Congregação pediu pra dirigir o Educandário Dom Silvério, era só internato, casa de crianças, inclusive vieram 15 meninas da FEBEM de Belo Horizonte. Eu contava com a ajuda das irmãs porque não podia abandonar o meu serviço, mas falava: “De vez em quando eu vou subir, pego o carro e vou lá porque afinal de contas é uma obra gratuita da comunidade”. Então eu... relaxava de vez em quando no horário.

Seis anos dirigi aquela obra e no começo falei: “Gente, não vou saber lidar com menina pequena, não”, porque naquela época eu trabalhava com jovem, adolescentes, até reunião fazia pra elas, depois caí em mim: “Gente, não é assim, a gente tem que dar exemplo”. Quando elas saíam a gente falava: “Vai com Deus”. Tinha uma menina muito levada, sabe, e elas gostavam de ir para a escola porque ficavam soltas, teve um dia que falei para uma delas: “Não, hoje você não vai à escola, não. Você faz assim, ajuda a picar legumes lá na cozinha”. “Não posso fazer isso”, pensei. Ela vai pensar que trabalhar é castigo, trabalhar não é castigo, é um prêmio, tanto que quando via umas chegarem eu falava: “É lindo varrer rua!”, uma falou: “Irmã Dahlia, eu vou ser médica.” Ótimo, mas é lindo fazer isso, coisas que...

Sabe o que eu fazia com os meus alunos, meninos de quinta, sexta série? “Vocês vão fazer uma transcrição; vocês vão pegar um jornal ou uma revista, vão transcrever um artigo pequenininho no caderno e depois nós vamos ler, pode ser de revista, só não pode ser de violência, pode ser de arte”. Queria que eles fizessem cópia para aprender a escrever, para ler jornal e para buscar cultura no jornal. Se eu falasse que era para fazer cópia, os pais me jogavam pedra, não é?, Então era uma transcrição de um artigo.

Olha, eu vejo mudanças, por exemplo, a tecnologia moderna que nós temos ajuda muito, como ajudava aquilo que a gente rodava, o mimeógrafo, como ajudava... A máquina de escrever ajudava, não é? Agora, não confiei na máquina quando dava aula, se eu levava um gravador, levava tudo preparado, se o gravador falhar eu não posso falhar.

Dei uma entrevista na rádio, eles devem ter ficado horrorizados. Ele falou: “E aí, irmã Dahlia, o computador?” Falei assim: “Não tenho interesse em computador a não ser para jogar paciência porque sabe o que eu gosto mesmo para escrever os meus rascunhos? Lápis, é, lápis”. Escrever, é claro que não escrevo a lápis, né? Ele deve ter falado assim: “Nossa, que coisa, hein, que falta de interesse!”

Acho que elas [as tecnologias] vieram acrescentar. Você tem um carro, o carro veio para ajudar, mas você pode cometer uma imprudência nele, né? Tem uma faca de cozinha, ela veio te ajudar, mas você pode machucar alguém com ela. Então vejo a tecnologia assim, ela é fantástica, só que se os pais não tiverem atenção, essa tecnologia pode levar os filhos deles para um lugar que não gostariam que levasse. Você vê menino chegar aqui dormindo porque fica até de madrugada no computador. Sei que tem muitas escolas que já adotaram o tablet e falei: “Ih, vou pensar em adotar o tablet”.

Transcrever um artigo, isso quando eu dava aula em 1900 e... tem uma porção de colégio que não adota mais, agora é tudo tablet. Falei: “Vamos segurar enquanto pudermos, Heloisa. Eles que tenham o que quiserem para usar em casa, mas aqui...” as professoras mandam compor poesia, mandam escrever, tem que ser, né?

Eu amo a tecnologia, quando entro num avião, falo: “Gente, que maravilha, que coisa!” Mas quando vejo aquela porção de bagagem entrando no avião, penso: “Gente, como é que pode!”. Vou com a minha bagagem de mão, quando chega uma porção de gente com a bagagem pondo no bagageiro, eu falo: “que inteligência que tem o homem, saber que nós podemos voar!”.

Olha, é tecnologia, o telefone, a luz elétrica, foi o escritor Júlio Verne... Eu toda vida gostei muito de ler. Volta ao mundo em oitenta dias... Aquilo que ele falou, está acontecendo e vai acontecer mais ainda, agora, com o uso do computador estou muito retrógrada, não me interessa porque gosto de escrever! Gosto de fazer artigos, acho que se ficar digitando, digito; acho que perco a inspiração, o que eu posso fazer? É o estilo da pessoa. Escrevo artigo informativo da Congregação, gosto de escrever a mão... No computador eu posso fazer maravilhas.

Dirijo carro há muitos anos, peguei com uma facilidade. O professor Moacir Barbosa que me ensinou, falou: “Oh, como a senhora tem facilidade.” Tenho, para a velocidade tenho muita facilidade, mas... Quando ia à Juiz de Fora com as irmãs e voltava de noite, falava: “Ó, tem uma coisa, se der um defeito, vou ligar o rádio e esperar alguém vir nos socorrer porque nem abro lá, não entendo nada de máquina”. Não gosto de máquina, mas antes de morrer acho que vou mexer um pouquinho mais com computador.

Entrevistada por Adriana Fidelis Silva e Rita de Cássia Mendes Cabral, em 26/11/2013. Participação de Irmã Mercês.

 

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